Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação (fértil) da autora. Qualquer semelhança é mera coincidência. Eu garanto!

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

CAPÍTULO 11


Passei a semana seguinte me esquivando de Daniel. Inventava desculpas sempre que ele me convidava para algum passeio ou para um banho de ofurô (ele tinha uma espécie de estufa com uma ofurô em pleno jardim).

Aquele sonho acabou me deixando culpada. Como fica o elemento da traição nesse caso?, eu me perguntava. Eu quase beijei Daniel, e teria realmente beijado se não tivesse acordado. Pior: doía lembrar a ponta de decepção quando despertei e constatei que não passava de um sonho.

Por outro lado, eu ponderava se era possível ter controle sobre isso. E qual seria o papel instrutivo, ou pedagógico, daquele sonho?

De qualquer modo, era certo que eu não estava em meus melhores dias. Estava fora de mim, me sentindo vulnerável, abandonada. Já havia sido abandonada pela minha mãe, pelo meu pai (involuntariamente) e agora era a vez de Inácio. Era tão insuportável assim conviver comigo?

A par de toda essa tortura mental, o que eu sabia é que não podia permitir que aquilo – o envolvimento com Daniel – ultrapassasse as fronteiras do sonho. Devia mantê-lo à distância, a qualquer custo.

Àquela altura da vida, eu não era mais uma garotinha inocente. E o que estava acontecendo confirmava o que eu já sabia: a paixão física tem pouco a ver com afinidades, hábitos, tempo e espaço. É um tsunami. Chega com força total. Contudo, passa rápido. É um elo fraco, que se rompe numa tempestade. O amor, por seu turno, é uma rede intrincada e permanente. Era nele que eu deveria manter o foco.

Dessa forma, não saí de casa naqueles dias. Meu isolamento foi quase total.

Tive pânico de afundar na depressão novamente e, como não queria me entupir de remédios, busquei fórmulas naturais que me mantivessem longe daquela nuvem escura – uma autêntica cumulus nimbus. Cada um encontra a melhor metáfora para a sua depressão. Eu dizia que era a minha CB. Churchill chamava a sua de “meu cão negro”.

Eu não era capaz de extirpar a depressão por completo da minha vida, já sabia disso. A opção viável era mantê-la represada. Um plano audacioso, que vinha dando certo até Inácio fazer as malas e partir.

Encontrei nos canteiros de flores da Vila Mariana uma terapia. Passava horas remexendo a terra e arrancando as ervas daninhas.

Investi na culinária também. Fui a uma mercearia da região e me abasteci de insumos. Comecei a inventar receitas e, no fim, aquilo já estava parecendo um hobby.

Então a semana chegou ao fim e me dei conta de que teria que voltar a trabalhar. Senti um desânimo gigantesco e cogitei estender aquelas férias. Contudo, algo me dizia que voltar à atividade me faria bem.

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Era sábado. Mais uma vez, eu revolvia a terra dos canteiros. Como não descobri antes que aquela tarefa podia ser tão prazerosa?

Enquanto executava meu mais novo hobby, eu pensava em Daniel. Eu o tinha visto de longe, alimentando os animais. Bonito e atraente, como sempre. Apesar da pequena decepção inicial, eu tinha decidido continuar gostando dele. Até aí, nenhum problema. Eu poderia argumentar que estava sendo bondosa como Inácio tanto queria, mas, no fundo, eu sabia que não era por isso. Se ele fosse feio e desinteressante, eu não teria perdoado. Já o teria rotulado de “um tipinho”. Isso me colocava em uma situação muito desagradável: sempre enfatizei a diferença básica entre homens e mulheres, os primeiros movidos pelo instinto. Naquele momento, entretanto, eu agia da mesma forma.

Eu não tinha a menor intenção de me envolver seriamente com Daniel. Nunca daria certo. Faltavam a ele requisitos básicos que o enquadrassem na categoria “homem para mim”. Então, o que estava me movendo? Uma paixão momentânea e inconsequente? A mágoa por Inácio ter me deixado? A fragilidade em que me encontrava? A suspeita de que, talvez, meu marido estivesse vivendo suas próprias paixões a um oceano de distância? Esse último pensamento me fazia sentir uma fisgada de medo e dor.

Eu remexia a terra, enquanto me entregava àquelas reflexões. Por isso, não notei o objeto dos meus pensamentos se aproximando. Confusa como estava, eu ficaria feliz se não voltasse a vê-lo tão cedo, mas é claro que ele não fazia ideia do que estava acontecendo comigo.

Assim que levantei os olhos e o vi, meu coração acelerou.

Não estou me esforçando o bastante, pensei. Precisava parar com aquilo! Aquela situação só tinha “contras”. Nenhum “pró”.

Então, decidi ser razoável. Ou tentar ser. Ainda que tudo se resumisse ao fato de Daniel preencher o vácuo da ausência de Inácio, independentemente do rumo da conversa, eu não o convidaria para entrar. De jeito nenhum. Isso, sim, seria levar a falta de cuidado ao extremo. Tenha juízo, Tessa, repeti em silêncio. Era óbvio que tudo o que eu estava vivendo era o resultado de um conjunto de circunstâncias anormais. Eu não podia embarcar naquilo como se fosse o normal. A dor da separação e o medo de perder Inácio estavam embaralhando meus sentidos e minhas emoções. Precisava encarar os fatos de forma objetiva: lá estava eu, confusa, vulnerável e carente, pronta para me apaixonar pelo primeiro homem bonito que me oferecesse um pouco de carinho e proteção. Como não tinha adequado controle das minhas faculdades mentais, o correto era não me precipitar. Agir impulsivamente, naquela situação, poderia ser fatal. Não faça nada que não possa ser desfeito depois, disse a mim mesma.

Como sempre, Daniel estava deslumbrante. E me ofereceu um sorriso radiante. Será que ele fazia aquilo de propósito?

- Oi, Tessa.

- Oi, Daniel.

- É impressão minha ou você está me evitando? – ele foi direto.

Antes que eu pudesse inventar uma desculpa patética, ele se adiantou:

- Estou preocupado com você. Sei lá, você não parece bem.

- Estou um pouco deprimida, é só isso.

Fiquei surpresa com a minha franqueza. Eu não falava abertamente sobre esse assunto com quase ninguém. O que colocou Daniel numa posição de confidente, reservada a poucos. Nina, Anita e Inácio, basicamente. Não sei por que agi daquela forma. Talvez tenha intuído que aquela confidência pudesse mantê-lo afastado.

Sei que o certo seria dizer: Não tenho vergonha da minha depressão. Afinal, é uma doença como as outras. Mas eu me sentia constrangida, sim, por ficar tão mal. A minha depressão nunca foi uma crise ocasional de tristeza. Quando chegava, vinha com força total. Por isso, eu tinha aversão àquelas pessoas que diziam aos deprimidos que eles deviam se controlar e dar a volta por cima. Como se tudo dependesse de um passe de mágica.

As pessoas não faziam ideia de que eu sofria de depressão quando me conheciam. Afinal, eu não ficava deprimida o tempo todo. E estava bem controlada nos últimos anos. Por isso, muitos me achavam brilhante. Não que uma pessoa com tendência à depressão não pudesse ser brilhante. Que o digam Virginia Woolf e Sylvia Plath. Mas há um preconceito, sabemos disso.

Enfim, o que quero dizer é que, mesmo quando não estava legal, conseguia disfarçar bem. Só os mais íntimos detectavam as mudanças. Apenas quando as coisas começavam a ficar como agora é que eu não conseguia mais esconder.

Daniel me olhava fixamente.

- Então, Tessa, espero que não se aborreça, mas fico me perguntando se já não é hora de tentar superar isso.

Pronto! Ele estava pisando em terreno minado. Fiquei apreensiva.

- Você precisa voltar a viver. Sair com outras pessoas. Vai ficar deprimida assim até esse cara resolver o que quer?

Puxa vida, fazia só duas semanas que Inácio tinha partido, e ele falava como se eu estivesse afundada na lama há décadas. Não gostei também do tom com que ele disse “esse cara”. Inácio não era “um cara”, ele era “o cara”.

- E você sugere que eu faça o quê?

- Para começar, que tal almoçar comigo hoje? Conheço um restaurante em Macacos que serve a melhor moranga da região.

- Almoçar com você em pleno sábado? E o que a sua namorada vai pensar disso?

- Já te disse que não dou a mínima para isso.

         Novamente, aquilo me incomodou. E, de certo modo, me chocou também. Aquilo era jeito de se referir à própria garota? Lembrei-me do cavalheirismo vitoriano de Inácio e foi inevitável não compará-los. Eu amava a forma gentil com que ele tratava as pessoas. Até mesmo Irene. Fiquei um pouco enciumada com o modo cavalheiresco com que reagiu à confissão dela, mas, no fundo, passei a admirá-lo mais. Ele era um homem ímpar. Coisa que Daniel, definitivamente, não era. E, cada vez mais, se esforçava para provar isso.

            Notando que eu estava reticente, ele insistiu:

            - Você não pode ficar trancada aqui para sempre. Não pode ficar se escondendo das outras pessoas. Dos próprios sentimentos.

            Oh-oh! O que ele estava insinuando?

            - Agradeço o convite, Daniel, mas vou declinar. Eu seria uma péssima companhia. Nesse momento, prefiro ficar a sós.

            Ele ainda me olhou longamente, por um bom tempo.

            Então, percebeu que não teria jeito.

            - Está certo. Se mudar de ideia, me avise. E, se precisar de qualquer coisa, não hesite em me procurar.

            Dito isso, caminhou de volta ao chalé.



            O capítulo 12 será publicado nesta sexta-feira, dia 22 de novembro.

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            Texto: Cynthia França

            Revisão: Arilma Peixoto

           Colaboração: Alessandro de Faria, Anita Lima, Licínio Porto, Lorena Porto e Lucíola Pereira

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