Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação (fértil) da autora. Qualquer semelhança é mera coincidência. Eu garanto!

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

CAPÍTULO 10


O passeio com Daniel e a visita ao ateliê me fizeram bem. Eu me sentia mais relaxada. Após um longo banho, concluí que conseguiria dormir aquela noite. Devia isso a ele, por ter me arrastado para aquela aventura.
Daniel. Eu tinha descoberto que ele não era o homem que imaginei. Não era selvagem, perigoso e despreocupado como tentava aparentar. Nem por isso deixei de me sentir atraída por ele.
Ele era lindo, um verdadeiro Adônis. E agia como se gostasse de mim. Por isso, não me importei tanto assim com as mentiras, que, de certo modo, o humanizaram diante dos meus olhos, removendo-o do pedestal em que erroneamente o tinha colocado.
Sim, ele era legal.
É verdade que eu tinha uma pulga atrás da orelha com ele. Era mais uma intuição. Algo me dizia que, por trás daquela fachada, ele levava outra vida, totalmente secreta. Mas isso era problema dele.
Em um instante de lucidez – o que era cada vez mais raro –, me perguntei sobre minhas reais intenções com todos aqueles argumentos em prol de um homem estupidamente bonito que eu, uma mulher casada (com um marido errante, mas, ainda assim, casada), acabara de conhecer.
O que eu estava pretendendo? Me envolver com ele? Mergulhar em uma relação extraconjugal que prometia ser uma montanha-russa?
Bem, por mais irreverente que eu fosse (ou tentasse parecer), isso estava fora de cogitação por uma razão simples: sempre fui fiel e continuaria sendo, até o fim dos meus dias. Se eu quisesse me envolver com outro homem, teria que me separar de Inácio primeiro, e isso não estava nos meus planos. Embora, muito provavelmente, estivesse nos dele...
Parecia errado, mas fui para a cama pensando em Daniel. E em Inácio também, paralelamente.
Uma pergunta ia e vinha: Será que, enquanto eu estava ali, firme e forte, resistindo aos encantos do vizinho, ele circulava livremente pela Europa na companhia do italiano mais galinha que eu conhecia?
Fiquei furiosa ao imaginá-lo nessa situação. E comecei a ponderar se estava fazendo a coisa certa: reprimindo meus impulsos, enquanto ele, provavelmente, nem estava se lembrando de mim.
Muito conveniente, não é? E prova a incrível força dos pensamentos...
Então, como numa experiência extracorpórea, levantei da cama em um pulo. Tirei o pijama de flanela e vesti uma calça jeans e um suéter vermelho. Coloquei um par de botas de cano alto e fui até a geladeira, de onde retirei um espumante.
Abri a porta de casa e senti a brisa gelada no rosto. Desconfiei que a minha lucidez já havia tido dias melhores. Ainda assim não desisti.
Caminhei lentamente em direção ao chalé. Já era tarde, mas as luzes estavam acesas. O luthier não dormia cedo.
Sempre que eu pensava em infidelidade conjugal, me vinha à mente Anna Karenina, de Tólstoi. Inácio não se parecia em nada com Karenin, mas Daniel daria um belo Conde Vronski. Embora, no fundo, eu achasse que ele estava mais para Conde de Montecristo (eu havia cismado que ele guardava algum segredo obscuro). Pensar naquela história não me animava nem um pouco, razão pela qual a soprei para bem longe.
Quando bati à sua porta, não havia mais resquícios de Tólstoi e de seu relato trágico.
- Tessa?! – ele se mostrou surpreso.
- Tem planos para hoje à noite? – perguntei, notando que ele estava bem vestido.
- Na verdade, não.
Levantei a garrafa de espumante.
- Agora tenho! – ele sorriu.
Dito isso, ele colocou o braço em volta dos meus ombros e me convidou para entrar, como eu intuí que faria. Seus braços eram fortes e me senti aconchegada neles.
Então, ele tirou a garrafa das minhas mãos, colocou-a sobre um aparador e me puxou para um abraço. Pousei a cabeça em seu peito largo e forte. Gostei tanto da demonstração de carinho que não consegui conter o choro. Que vergonha!
Mas ele foi compreensivo.
- Não desperdice lágrimas por causa dele – disse, enquanto acariciava o meu rosto.
- Eu não devia ter vindo.
- É claro que devia.
Embora parecesse errado, era disso que eu estava precisando. Sendo assim, me permiti aproveitar o momento. Me aninhei em seus braços, que pareciam muito protetores. Ele tinha um cheiro maravilhoso, inebriante.
De repente, ele interrompeu o carinho e colocou uma das mãos por trás da minha nuca. Senti um tremor. E comecei a entrar em pânico. Precisava me soltar dos braços dele.
Mas, antes que eu tomasse qualquer atitude, ele sorriu para mim. Senti um calor esquisito. Definitivamente, eu precisava escapar dele. A qualquer custo.
Daniel não parecia notar que eu queria me desvencilhar de seu abraço. Inclinou o corpo, afastou uma mecha de cabelo do meu rosto, correu os dedos pelo meu braço. O toque de sua mão me causou um arrepio.
Eu não estava me esforçando o bastante, foi o que pensei. Mas não consegui fazer nada a respeito.
Então, ele levantou bem de leve o meu queixo, de modo que ficássemos olhando diretamente um para o outro.
- Eu quero você – disse, com a voz rouca.
Soube instantaneamente que ele ia me beijar.
Seu rosto se aproximou do meu, sua boca foi chegando perto, quase tocando os meus lábios. Quando meus nervos estavam retesados a ponto de doerem, o meu sonho se transformou em realidade. Literalmente. Acordei suada e sobressaltada e descobri que estava em minha cama, com Bela como única companhia.
Se, por um lado, senti um leve desapontamento, por outro fiquei imensamente aliviada. Não passara de um sonho.
Eu não tinha ideia de que horas eram. Mas ainda estava escuro. E o quarto estava gelado. O aquecimento devia estar com defeito. Chovia lá fora.
Devia ter sacado que era um sonho desde o início. Eu não tinha um espumante na geladeira. Apenas leite e sucos.
Senti uma pontada esquisita no peito. Vazio. Solidão.
O resto da noite foi terrivelmente triste.


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Pela manhã, eu tinha uma única certeza: se tivesse um pingo de bom senso, ou de juízo, entenderia aquilo como uma séria advertência.
Aquele negócio de dormir pouco à noite estava me tirando dos eixos. Agradeci por ter sido apenas um sonho.
Deveria manter distância de Daniel. Não seria preciso ignorá-lo. Mas não era seguro manter uma proximidade “tão próxima”.
Estava arrancando ervas daninhas dos canteiros situados no fundo da casa quando ouvi a sineta. Caminhei até a entrada e dei de cara com Nina.
- Vim ver se você estava viva.
- Não acredito, Nina. Não faz nem uma semana que vim para cá.
- Eu sei, mas poderia pelo menos atender ao celular. Não se afaste das pessoas que te amam – me repreendeu.
- O sinal aqui é péssimo. Além do que, não tenho esperança de que Inácio entre em contato.
- Que ótimo saber que não está nem aí para sua irmã e suas sobrinhas. Nem vou falar do Maurício, porque sei que, para ele, você não está nem aí mesmo.
- Que absurdo, Nina!
Não era absurdo nenhum. Eu não suportava o marido da minha irmã. No momento oportuno, conto o porquê.
Antes que eu pudesse convidar Nina para entrar, fomos surpreendidas pela aparição de Daniel na entrada de sua casa. Ele acenou para mim.
- Oh-oh! – disse Nina.
- Oh-oh, o quê?
- Quem é?
- Meu vizinho Daniel.
- Estou começando a entender porque não sai daqui, não atende às ligações... – deu um sorrisinho irônico.
- Você só pode estar brincando...
- É claro que estou. Mas me fez lembrar aquele filme: O Pecado Mora ao Lado. Ele é casado?
- Não, Nina, é solteiro.
- Hum... Tem homens que são tão...
- Tão o quê?
É claro que eu sabia do que ela estava falando, mas queria obrigá-la a dizer com todas as letras.
- Sei lá, exalam testosterona pelos poros.
- E você mal o viu...
Ela me olhou curiosa.
- Isso quer dizer que você já o viu melhor?
Suspirei e não respondi.
- Vamos entrar? – convidei.
Ela deu mais uma espiada no chalé, mas Daniel já tinha entrado.
Aquilo só reforçou minha decisão: precisava me manter longe dele.


O capítulo 11 será publicado na próxima quarta-feira, dia 20 de novembro.
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Texto: Cynthia França
Revisão: Arilma Peixoto
Colaboração: Alessandro de Faria, Anita Lima, Letícia Paratella, Licínio Porto, Lorena Porto e Lucíola Pereira

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